“Subir a um palco é uma
experiência que na infância enche-nos de surpresa e encanto, na juventude
enche-nos de vaidade; e que, com o andar dos tempos e o amadurecer do tempo e
de nós próprios, nos enche de dúvidas e emoção.
Ao fim de mais de
quarenta anos a reunir musica e palavras, calculam fácilmente o mundo de
memórias repartidas, o número de peripécias sentidas e o profundo acervo de
experiências humanas acumuladas.
Corri um país real e
fantástico, nos perfumes e sabores, nas paisagens e gentes, nos abraços
recebidos e nas histórias de uma humanidade convivida.
Foi um mundo
profundamente português, embora derramado por vezes, por países de lonjura e
extravagância. Onde representei, pobre de mim, o alento de uma saudade trazida
na viola, uma referência da pátria mãe deixada há tanto tempo, um relembrar de
sons e palavras em concertos que nunca poderei esquecer. Esses, existem hoje
apenas na minha memória dos que lá estiveram comigo. E é pena. Porque
muitas vezes foram noites de maravilha.
Depois comecei a
compreender que por cada mil que ali estavam comigo, numa qualquer dessas
noites, haveria decerto muitos mil que gostavam de ter estado e não puderam. De
facto, nunca em todo este tempo, tinha gravado grande testemunho dessas noites
fascinantes e prenhes de emoções. E era injusto.
Apontamentos aqui e
ali, programas como convidado, actuações maiores ou mais curtas, reportagens,
muito bem, mas raramente um testemunho assim ao vivo, do que se diz e se sente
num Concerto maior, actual, com gente dentro.
Gente que gosta de nós
e nos retribuiu o suor e a entrega. Como aqui, desta vez, foi possível.
Com efeito, nunca tal
me tinha preocupado sobremaneira. Mas com o passar da idade - e a
responsabilidade que advém de sabermos quanto somos breves e efémeros nestas
coisas da arte e do viver - creio que este Rivoli pleno de gente mereceu a
distinção e fica assim para a história de um sentir e de um pulsar colectivo,
que representa de facto, uma "Memória para o futuro" .
Agradeço ao Porto Canal
pela iniciativa de filmar o Concerto, à RDP, que o gravou e à Ovação por ter
entendido, julgo eu, o testemunho intemporal que representa.
A todos os músicos
envolvidos, ao público atento e amigo que tornou essa noite especial. E a
todos os que gostam, entendem e saboreiam o que faço, contra a corrente do que
se consome e pandemicamente se alastrou pelo mundo da música e não só.
Eis a prova provada de
que afinal existo. Para consumo apaixonado de viveres próprios e alheios.
Truculências demais, talvez, mas emoção em estado puro, exactamente tal e
qual como vo-la gosto de oferecer. É que, desta vez, extravasou da noite bonita
que vivemos.
Aqui deixo, pois, um
abraço imenso a todos os que possa estar a esquecer e que de algum modo tenham
ajudado a tornar esta edição possível.”
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