14 de abril de 2014

Memória do Futuro




“Subir a um palco é uma experiência que na infância enche-nos de surpresa e encanto, na juventude enche-nos de vaidade; e que, com o andar dos tempos e o amadurecer do tempo e de nós próprios, nos enche de dúvidas e emoção.
Ao fim de mais de quarenta anos a reunir musica e palavras, calculam fácilmente o mundo de memórias repartidas, o número de peripécias sentidas e o profundo acervo de experiências humanas acumuladas.
Corri um país real e fantástico, nos perfumes e sabores, nas paisagens e gentes, nos abraços recebidos e nas histórias de uma humanidade convivida.

Foi um mundo profundamente português, embora derramado por vezes, por países de lonjura e extravagância. Onde representei, pobre de mim, o alento de uma saudade trazida na viola, uma referência da pátria mãe deixada há tanto tempo, um relembrar de sons e palavras em concertos que nunca poderei esquecer. Esses, existem hoje apenas na minha memória dos que lá estiveram comigo. E é pena. Porque  muitas vezes foram noites de maravilha.

Depois comecei a compreender que por cada mil que ali estavam comigo, numa qualquer dessas noites, haveria decerto muitos mil que gostavam de ter estado e não puderam. De facto, nunca em todo este tempo, tinha gravado grande testemunho dessas noites fascinantes e prenhes de emoções. E era injusto.
Apontamentos aqui e ali, programas como convidado, actuações maiores ou mais curtas, reportagens, muito bem, mas raramente um testemunho assim ao vivo, do que se diz e se sente num Concerto maior, actual, com gente dentro.
Gente que gosta de nós e nos retribuiu o suor e a entrega. Como aqui, desta vez, foi possível.
Com efeito, nunca tal me tinha preocupado sobremaneira. Mas com o passar da idade - e a responsabilidade que advém de sabermos quanto somos breves e efémeros nestas coisas da arte e do viver - creio que este Rivoli pleno de gente mereceu a distinção e fica assim para a história de um sentir e de um pulsar colectivo, que representa de facto, uma "Memória para o futuro" .

Agradeço ao Porto Canal pela iniciativa de filmar o Concerto, à RDP, que o gravou e à Ovação por ter entendido, julgo eu, o testemunho intemporal que representa.
A todos os músicos envolvidos, ao público atento e amigo que tornou  essa noite especial. E a todos os que gostam, entendem e saboreiam o que faço, contra a corrente do que se consome e pandemicamente se alastrou pelo mundo da música e não só.

Eis a prova provada de que afinal existo. Para consumo apaixonado de viveres próprios e alheios. Truculências demais, talvez,  mas emoção em estado puro, exactamente tal e qual como vo-la gosto de oferecer. É que, desta vez, extravasou da noite bonita que vivemos.
Aqui deixo, pois, um abraço imenso a todos os que possa estar a esquecer e que de algum modo tenham ajudado a tornar esta edição possível.”












Sem comentários:

Enviar um comentário